Ah, o fado!
Esse lindo e melancólico canto que enche de suspiros as ruas e becos de Lisboa, e escorre doce pelos ouvidos de outras pessoas que chegam e saem da famosa capital de Portugal.
Quando pequena ouvia em casa, cantado por minha mãe, alguns desses versos que até hoje identifico com aquele sabor de nostalgia, mas que tomou novas sensações com a minha vinda para Portugal em 2013, para casar com o português, e com o país de onde saíram nossos ancestrais descobridores e colonizadores.
Aqui em Portugal fiz várias edições do programa Nomes, o que me deu a oportunidade de conhecer de perto sua gente, suas belezas e seus costumes.

A cantora Carminho ao vivo no Palmengarten, em Frankfurt, em 2012 (Foto: WikiCommons)
Não demorou para me sentir envolvida na música dessa gente gentil e amorosa, e frequentar locais onde, invariavelmente, fadistas nos brindam com suas violas portuguesas ricas de emoção e beleza, que identificam sua cultura pelo mundo afora.
Para conhecer profundamente o fado, em 2015 organizei uma excursão musical pelas mais famosas casas de fado de Lisboa, e por Alfama, bairro que abriga grande parte deles e onde se ouve pelas esquinas aqueles cânticos tristonhos, e outros tantos, alegres, que nos fazem dançar animadamente.
Tive um perfeito anfitrião, Manuel Marçal, um agitador cultural, que preside uma associação de fadistas e administra casas e entidades ligadas, para me mostrar o fado legítimo e frequentado pelos portugueses e aficionados.
Começamos pela Casa da Mariquinhas, que hoje não existe mais, mas que durante décadas foi um dos mais importantes palcos (o palco era um canto do pequenino restaurante) onde se reuniam e se apresentavam todas as noites os mais talentosos e famosos do universo fadista, da terra de Amália Rodrigues. Ali conversei com veteranos e jovens e me embriaguei de versos e arpejos dos guitarristas e as vozes inesquecíveis dessas lendas do universo musical português, que ganhou o mundo e está presente nos repertórios e criações de compositores famosos, muitos deles brasileiros, que podemos listar e desfrutar ao ouvir esses lamentos, que narram aventuras e sentimentos emocionados.

Mesa de Frades (Foto: Reprodução de Facebook / @mesadefrades)
A Mesa de Frades, em Alfama, fica na capela de um palacete do século XVIII, de D. Rosa, amante do imperador, e que hoje abriga o restaurante e casa de fados, onde, ao entrar, temos a deliciosa surpresa de ouvir aquelas vozes, realmente “a capela”, numa acústica proporcionada pela abóbada perfeita dos mestres e suas engenharias surpreendentes.
Fatum é a origem da palavra fado, que quer dizer destino, e os lisboetas assim chamaram suas canções que contavam suas histórias e seus destinos tristes. Diz a lenda que os primeiros fados surgiram no século XIX nos bairros populares de Lisboa e emergiram nos históricos, como Alfama e Mouraria. Com a evolução de estilos ganhou popularidade e começou a ser reconhecido como a música que decifra a alma do povo português e, merecidamente, foi tombado como patrimônio imaterial pela UNESCO, por sua grande importância na cultura mundial.

Pintura “O Fado”, de José Malhoa (1910) (Foto: Reprodução / Museu do Fado)
O fado teve uma musa, uma cantadeira linda, que vivia numa região de meretrício, e tinha amigos importantes. A história conta que o Conde de Vimioso era seu protetor, e que Severa cantou em festas aristocráticas e se apresentou, entre outros, no palácio do conde. Severa cantava, compunha e vivia a liberdade, chorava suas dores nos fados tristes que cantava, e celebrava a vida nos fados alegres que animavam, de marinheiros a nobres, e que a influência do conde teria levado seu nome e seu canto ao sucesso. Severa morreu cedo, com 26 anos, mas deixou muitas lendas.
O rei D. Carlos, o último rei de Portugal, era apaixonado pelos fados, saía à noite disfarçado para que não o reconhecessem, e até aprendeu a tocar guitarra. “O Embuçado”, um famoso fado, foi uma homenagem ao monarca, e conta as fadistices do rei apaixonado pela música de sua gente.
O certo é que o fado foi nascido, criado e desenvolvido em Lisboa, mas criou ramificações pelo Alentejo e Ribatejo, fez uma grande reviravolta em Coimbra com seu fado “diferente”, e, acredite, é cantado e tocado em recantos do mundo, completamente inesperados.
Mas como narrar o fado e não apresentar nomes de grandes intérpretes do passado e do presente?
Ainda em 2015 entrevistei Cuca Roseta, que despontava como um dos maiores nomes femininos do fado atual. Foi estrela em filmes de dois grandes cineastas internacionais e do nosso homem da música, da TV e da literatura, Nelson Motta, que foi conhecer seu canto no Clube do Fado e produziu um de seus discos. Cuca faz concertos pelo mundo e vale pesquisar essa estrela, a Maria Ana Bobone, que também entrevistei; Mariza, que me encantou num concerto de 10 de junho, Dia de Portugal, em Elvas, com sua voz, seu figurino e seu repertório.
Muitos nomes, que você pode descobrir e se encantar com suas antigas canções inesquecíveis, e novas, que haveremos de não esquecer, porque os jovens estão descobrindo que a história, a cultura, suas origens, são para dar sentido e luz à vida que vivemos agora.

Amália Rodrigues no Grand Gala du Disque Populaire, no Congrescentrum (Países Baixos). 7 de março de 1969 (Foto: WikiCommons)
Entre as vozes que hoje fazem o fado vibrar destacam-se Camané, Ricardo Ribeiro, Marco Rodrigues, Hélder Moutinho, Miguel Ramos, Mariza, Sara Correia, Raquel Tavares, Carminho e Ana Moura. Dos intérpretes que forjaram essa tradição, lembramos Alfredo Marceneiro, Fernando Maurício, Carlos do Carmo, Carlos Ramos, Tristão da Silva, Amália Rodrigues, Fernanda Maria, Beatriz da Conceição, Maria Teresa de Noronha e Teresa Tarouca. E para vivenciar o fado ao vivo, nada supera espaços como O Faia, Fado ao Carmo, Mesa de Frades, A Bela e Tasca do Chico.
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