Manhã de domingo, sol e chuva disputando o céu do lado de fora, eu aqui sentada em frente à TV, assistindo a um filme, e entra de repente uma propaganda de um remédio novo, para uma condição de saúde que eu nunca tinha ouvido falar.
Nas TVs americanas, as propagandas são, em sua maioria, de remédios. Seguidas pelas de produtos alimentícios processados, seguros de saúde, produtos químicos para limpeza das casas, roupas e higiene pessoal, e de jogos eletrônicos.
Me causa irritação ver essas propagandas, porque são de indústrias irmãs. A primeira nos oferece produtos alimentícios e de limpeza e higiene pessoal que, além de não nutrirem ou resolverem o que prometem, enchem nosso ambiente doméstico de químicos e ainda causam inflamações silenciosas em nossos corpos, que mais tarde se transformarão nessas doenças raras, para as quais a próxima indústria vai nos oferecer inúmeros remédios para mascarar os prejuízos reais que esses produtos nos causaram em primeiro lugar.
Depois entram as dos planos de saúde para ficarmos “tranquilas”.
A ganância de colocarem seus lucros acima do bem-estar e da saúde pública me afeta. Me incomoda. Me irrita. Me ferve o sangue às vezes.
Isso em parte pela “transparência” por parte deles, ao colocarem em letrinhas miúdas abaixo da tela, junto com uma narração acelerada, todos os efeitos colaterais que os remédios, oferecidos com imagens de famílias felizes e sem dores, causam.
A maioria das pessoas presta atenção nas imagens das pessoas correndo pela praia felizes e sem dor, enxergando apenas o milagre oferecido pela ciência. Poucos percebem os horrores dos efeitos colaterais. Pois ninguém duvida que viver com dor é terrível. E quem tem dor arrisca.
Arrisca porque, em geral, dá muito trabalho escutar o próprio corpo e prestar atenção nas emoções sufocadas. E dá preguiça ler as bulas, os componentes químicos nas listas de ingredientes ou sequer escutar o que está sendo dito nesses comerciais bem diante de nós.
E a cada dez minutos entram as mesmas propagandas de novo.
Remédios para depressão podem causar depressão e desejos suicidas. Remédios para dores musculares podem causar atrofia muscular, problemas renais e alergias graves, mas em certas pessoas, claro, não em todas.
Minha irritação volta. Eu lutando contra. Prestando atenção e entendendo bem de onde vem, qual é a causa. São essas propagandas enganosas. Não quero estar irritada, pois sei que isso vai interferir na minha digestão e no meu sono mais tarde. Posso desligar a tela e sair para uma caminhada, pegar um livro, fazer um pouco de yoga ou só botar os pés na grama. Mas não me mexo. O filme está muito bom.
Então pego o celular que está grudado na minha perna e dou uma zapeada nos e-mails não respondidos, nas mensagens ainda não lidas, nas redes sociais.
Volta o filme. Mais dez minutos e mais propagandas. Levanto para buscar o computador. Meus pensamentos já voando.

Pequenas pausas e momentos de desconexão ajudam a reduzir o estresse e a ansiedade (Foto: Envato)
Aconteceu uma transformação no jeito como adoecemos. As alergias e doenças crônicas mais comuns, como diabetes, câncer, Alzheimer e cardiovasculares, não são só causadas pelas toneladas de químicos que respiramos, passamos na pele e ingerimos. São também causadas pela irritação, ansiedade, pelo sedentarismo e pelo uso excessivo das telas.
Arrisco dizer que a ansiedade, o uso excessivo das telas e o sedentarismo podem ser consideradas as novas doenças crônicas. As novas doenças do mercado.
O mais preocupante é que tudo isso está se tornando normalizado, como se fosse apenas parte da vida moderna. Só que não deveria ser.
A ansiedade, por exemplo, deixou de ser uma resposta pontual a situações de estresse e passou a ser quase um estado constante para muitas pessoas. Viver com ansiedade afeta o corpo inteiro. O sono fica ruim, a respiração muda, o coração acelera, a concentração diminui, a irritabilidade aumenta. E aquela sensação de fadiga constante também é resultado da ansiedade.
A gente não consegue se alimentar direito. Uma hora a gula ataca, em outra perdemos o apetite. Aparecem os problemas gastrointestinais, as azias, o intestino preso ou solto. Aumenta a tensão muscular, surgem dores no corpo, bruxismo e enxaquecas. Nosso sistema imunológico enfraquece. É como viver com um alarme interno ligado o tempo todo, mesmo sem perigo real.
O impacto emocional é forte.
O sedentarismo é outro problema sério e muito subestimado. Passamos horas sentados, em frente ao computador, à TV ou ao celular, e isso vai enfraquecendo o corpo de forma silenciosa.
Além de prejudicar a postura, o sedentarismo causa doenças físicas como diabetes, obesidade e problemas cardiovasculares. Também leva à perda de massa muscular e óssea. Falta de exercícios físicos diários provoca fraqueza muscular e problemas nas articulações.

O corpo precisa de movimento para manter o equilíbrio físico e emocional (Foto: Envato)
A falta de movimento afeta o humor e a saúde mental. O corpo foi feito para se mexer, e quando ele não se move, tudo trava, inclusive as emoções. O movimento é essencial para a regulação do humor. Quem não faz exercícios físicos regularmente está mais propenso à depressão e à ansiedade.
E aí, para coroar, entra o excesso de telas. A gente acorda e já pega o celular. Vai dormir com o celular na mão. No meio do dia, mais trabalho no computador, mais redes sociais, mais notificações. Até na academia vejo pessoas grudadas no celular ao invés de focarem na respiração e nos exercícios. Outro dia, minha amiga me ligou do chuveiro. Disse que não queria esquecer o que precisava me dizer e não podia esperar o banho acabar.
Esse uso excessivo impacta diretamente o sono, por causa da luz azul, que impede a produção natural de melatonina. Afeta a visão, causando secura nos olhos, cansaço ocular e a chamada “síndrome da visão de computador”. Também afeta a postura, provocando dores no pescoço, ombros e costas.
Além dos impactos físicos, há os mentais. O excesso de telas está ligado à sobrecarga de informações, uma das causas do estresse, da dificuldade de concentração e da perda de memória.
O uso excessivo das telas afeta a forma como nos relacionamos com os outros. A vida digital ocupa tanto espaço que deixamos de viver o presente. Apesar da conexão online, o contato humano real está cada vez mais reduzido.
As pessoas se visitam menos, não ligam mais nem para desejar feliz aniversário. Escrevem nas redes e presumem que o aniversariante vai ver e se sentir lembrado. O que impressiona é quando alguém conhecido morre, e escrevem para o falecido nas redes sociais, como se ele fosse ler.
Tudo causado por outro impacto mental, o vício em dopamina. As redes sociais e os jogos online ativam circuitos de recompensa, gerando dependência. E essa dependência leva ao isolamento e à depressão.
O mais preocupante é que esses três fatores costumam andar juntos. A ansiedade pode levar ao uso compulsivo de telas como alívio ou fuga de uma realidade difícil. O uso excessivo das telas promove o sedentarismo. O sedentarismo contribui para o surgimento ou agravamento da ansiedade.

Silenciar as notificações pode ser o primeiro passo para ouvir a si mesmo (Foto: Envato)
É um ciclo. E precisamos parar de tratar isso como algo normal do século XXI. Não é normal estar sempre cansado, ansioso ou desconectado do corpo.
Claro que não dá para romantizar o passado ou achar que vamos viver offline. Mas é possível e necessário buscar equilíbrio. Incluir pequenas atividades físicas na rotina, diminuir o tempo de tela, procurar ajuda profissional ou amigos quando a ansiedade aperta. Tudo isso faz diferença.
Cuidar da saúde hoje vai muito além de evitar doenças físicas. É sobre manter o corpo e a mente em diálogo, em equilíbrio, num mundo que vive nos puxando para o excesso.
O filme acabando e eu me vejo com o computador no colo e o celular ao lado. Três telas ao mesmo tempo. A TV, o computador, o celular.
Desligando tudo e indo caminhar. Porque a chuva não derrete a gente.


