Cultura

Crianças “casadas”: o retrato mais cruel da cultura do estupro no Brasil

Por
Ivone Sousa

12/14/2025

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Criança em situação de vulnerabilidade. No Brasil, mais de 34 mil meninas até 14 anos viviam algum tipo de união informal em 2022, segundo o IBGE (Foto: Envato)

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Um país que ainda normaliza a união infantil precisa encarar uma verdade incômoda: onde há uma criança “casada”, há um adulto criminoso — e um Estado omisso

Quando a CNN publicou “IBGE: mais de 34 mil pessoas até 14 anos viviam união conjugal até 2022”, algo essencial ficou de fora: não são “pessoas” — são crianças. E o nome disso não é “união”, nem “casamento”: é abuso sexual.

No Brasil, o casamento civil com menores de 16 anos é proibido. O artigo 217-A do Código Penal é explícito: qualquer relação com menores de 14 anos é estupro de vulnerável. 

Ainda assim, os números permanecem alarmantes, especialmente no Norte e Nordeste, onde todos conhecemos alguém que “fugiu” de casa ainda menina. 

Mas é hora de parar de romantizar o crime. 

Não existe “ela quis”. 

Não existe “foi escolha dela”. 

Criança não namora. Criança não consente. Criança é vítima.

Ilha do Marajó: quando a omissão vira rotina

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Ilha do Marajó, no Pará. A região acumula denúncias históricas de exploração sexual infantil e falhas de proteção pública (foto: Canva)

Casos de exploração sexual infantil na Ilha de Marajó já foram tema de CPI no Senado, escancarando anos de negligência.

“Para essas meninas foram negadas políticas públicas, proteção, o direito de saber o que podem exigir do Estado. Toda menina tem direito à infância e à segurança e o Estado tem falhado em garantir isso”, afirma a delegada Ivalda Aleixo, diretora do DHPP/SP. 

Uma das primeiras figuras públicas a denunciar a situação foi a ex-ministra Damares Alves. A resposta institucional? Uma ação por “fake news”. Enquanto isso, as meninas continuam invisíveis.

A pergunta permanece: quem ganha quando uma denúncia é silenciada?

A raiz do problema

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Símbolo de infância interrompida: o casamento infantil retira de meninas o direito ao cuidado, à escola e à proteção (Foto: Envato)

Normalizar o casamento infantil é perpetuar uma cultura que insiste em transformar vítimas em culpadas e abusadores em “companheiros”. É aceitar que meninas tenham a infância roubada enquanto o país desvia o olhar. É reforçar — todos os dias — a cultura do estupro que fingimos não existir.

Proteger nossas crianças não é pauta de governo, é dever de todos. E começa com algo simples, mas poderoso: dar nome às coisas.

Criança não casa. Criança é vítima.
E merece ser protegida.

Dados que o Brasil precisa encarar

Casamento infantil no Brasil

  • 34 mil crianças até 14 anos viviam união conjugal (IBGE, 2022)
  • O Brasil é o 4º país com mais casos de casamento infantil nas Américas (UNICEF)
  • A prática é mais comum entre meninas e em áreas pobres e rurais

O que diz a lei

  • Relação sexual com menores de 14 anos é estupro de vulnerável
  • Casamento civil com menores de 16 anos é proibido
  • Pais ou responsáveis não podem autorizar

Quando denunciar

  • Ligue 180 — Central de Atendimento à Mulher
  • Delegacias de Defesa da Mulher
  • Conselhos Tutelares
  • Polícia Militar — 190