Comportamento

A minha Black Friday

Por
Alexandre Chut

11/15/2025

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O frenesi das promoções e o brilho do consumo, o ponto de partida para uma reflexão sobre escolhas e excessos (Foto: Envato)

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Um relato sobre escolhas e desapego em tempos de consumo desenfreado

Black Friday vem se aproximando! E me perguntam: como sei? Como a natureza pressente a tempestade que se forma ao longe, também sinto o ar diferente, o burburinho crescente, o frenesi coletivo.

Na verdade, alguns comerciantes, ainda em setembro, já anunciam uma tal de “Black Friday antecipada”. Falta de criatividade e um eco de marketing apelativo, repetitivo, quase desesperado.

Mas há muito o que pensar sobre isso. E aqui compartilho o que vivi nos últimos seis anos consecutivos.

Tudo começou quando eu precisava comprar um notebook com placa dedicada para gravar vídeos do meu curso. Buscava algo potente, veloz, com boa capacidade de edição e armazenamento. Queria comprar uma vez só, com qualidade e durabilidade.

Durante meses acompanhei modelos, comparativos, opiniões técnicas. Sabia de cor os preços e variações de cada um.

De repente, as cifras começaram a subir vertiginosamente — uma escalada absurda, justamente às vésperas das “promoções”.

Logo vieram as ofertas mirabolantes e o conhecido show da Black Friday.

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Entre cliques e “ofertas imperdíveis”, nasce a dúvida: o que realmente precisamos comprar? (Foto: Envato)

Eu estava no espírito do comprador consciente: queria o melhor custo-benefício, sem abrir mão da excelência. Mas, ao ver essa montanha-russa de preços, senti-me enganado. Conversei com colegas em outros países e percebi que, no Brasil, muitos estabelecimentos inflavam os valores antes, para depois aplicar o “desconto” milagroso.

Era frustrante, mas serviu de lição. Não posso mudar o mundo, nem o modelo mental que sustenta parte do comércio latino-americano — porém, decidi mudar minha postura pessoal.

Esperei o valor realmente baixar e comprei apenas quando alcançou o preço justo.

A partir daí, comecei a repensar o sentido do consumo.

Percebi que, mais do que comprar, era hora de limpar.

Algum tempo depois, meu celular começou a falhar por “falta de memória”.

A solução óbvia seria comprar um modelo novo, com o dobro de espaço.

Mas decidi olhar por outro ângulo.

Em vez de adquirir mais, eu poderia eliminar o excesso.

Descobri que havia acumulado vídeos, áudios, fotos e conversas que nada mais significavam. Era um acumulador de bits.

Comecei a apagar tudo que não servia.

Fotos repetidas, vídeos antigos, arquivos inúteis. No início, hesitei — apego digital é apego emocional. Mas, aos poucos, cada delete me trazia uma estranha sensação de alívio.

Continuei, por horas, limpando memórias desnecessárias, até perceber que havia apagado mais de 75% de todo o conteúdo.

Meu celular parecia outro — leve, limpo, quase rejuvenescido.

Um aparelho diet, recém-saído de um SPA digital.

Hoje, minha Black Friday ampliou o espectro, ultrapassando o universo dos eletrônicos.

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No lugar das compras, a leveza de doar, organizar e começar um novo ciclo com menos - e com mais sentido (Foto: Envato)

Nos dias que antecedem a data, antes de sair às liquidações, reviso meus armários.

Encontro roupas maravilhosas que comprei em momentos de empolgação e que, há mais de um ano, não uso.

Inauguro aquelas que estavam paradas e separo outras — também belas, mas que já não têm mais sentido para mim — para doação.

Distribuo tudo antes do término do ano.

E assim tenho vivido minha Black Friday interior.

Sem compras. Sem filas.

Apenas o prazer silencioso do desapego.