Design & Arquitetura

Décor Social: design que transforma vidas

Por
Ricardo Caminada

9/9/2025

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Katia Perrone e Lucy Amicon, fundadoras e líderes do Décor Social, à frente da missão de transformar espaços e, com eles, vidas (Foto: Divulgação)

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Projeto conecta arquitetos, designers e empresas para criar ambientes funcionais e acolhedores em instituições que atendem crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, mostrando como o design pode ser uma poderosa ferramenta de transformação social

O Décor Social é um projeto que conecta arquitetos, designers e empresas para transformar espaços de instituições que atendem crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, de zero a 21 anos. A proposta vai além da estética: ambientes bem planejados impactam diretamente no desenvolvimento, na autoestima e no bem-estar de quem os utiliza.

“Criar espaços que inspirem acolhimento, alegria, pertencimento, beleza e segurança é a nossa missão”, afirma Katia Perrone, fundadora e CEO da organização. Sem fins lucrativos, o Décor Social é especializado em arquitetura, design de interiores e paisagismo voltados à infância, adolescência e juventude. Atua na gestão e execução de projetos de reforma e decoração de espaços de convivência ou moradia, mobilizando profissionais voluntários, a sociedade civil e empresas parceiras para transformar um teto em um lar.

Antes e Depois – Projeto Diego Wic, arquiteta Waleska Gigio

Dormitório coletivo antes da reforma, com estrutura básica e pouco acolhimento visual, evidenciando a necessidade de um espaço mais seguro e estimulante. (Foto: Divulgação)

Transformação assinada pela arquiteta Waleska Gigio: o quarto ganhou novas cores, iluminação mais suave, mobiliário repaginado e detalhes que reforçam conforto e pertencimento (Foto: Divulgação)

O projeto nasceu da mobilização de profissionais que compartilhavam o desejo de impactar a vida de crianças e adolescentes. Katia, que atuava como voluntária em abrigos, percebeu a necessidade urgente de criar ambientes que promovessem não apenas condições básicas de sobrevivência, mas também benefícios emocionais e de saúde mental. “Da inquietude ao ver a degradação desses locais, nasceu a ideia de usar o design como ferramenta de transformação social”, conta.

A Décor Social foi fundada por Katia Perrone e Lucy Amicon, ambas designers de interiores, pelo arquiteto Vicente Parmigiani e pela economista Andrea Bonventi. Atualmente, Katia é CEO e Lucy ocupa o cargo de diretora institucional. Lucy, formada pela Universidade de Belas Artes de Buenos Aires, lembra que a motivação vem de ver o impacto direto do trabalho. “O sorriso agradecido das crianças e adolescentes é o que nos move todos os dias”, diz.

Antes e Depois – Projeto Maria Ines Antich, arquiteta Adriana Bijarra

Ambiente simples e sem elementos lúdicos, com pouco aproveitamento do espaço para atividades e convivência (Foto: Divulgação)a

Projeto da arquiteta Adriana Bijarra trouxe vida e acolhimento com paredes decoradas, mobiliário otimizado, área para brincadeiras e cores que estimulam a criatividade (Foto: Divulgação)

O principal objetivo é quebrar barreiras da desigualdade e oferecer a crianças e jovens a oportunidade de viver em espaços que promovam qualidade de vida e bem-estar. A gestão é conduzida por Katia e Lucy, que articulam parcerias, empresas e organizações do terceiro setor. A equipe é multidisciplinar e, hoje, composta apenas por mulheres, incluindo designer de interiores, profissionais de comunicação e captação de recursos, engenheira responsável pelo gerenciamento de obras e assessorias contábil e jurídica.

O maior desafio é garantir a sustentabilidade financeira, já que a maior parte do material usado nas reformas vem de doações. “Teríamos condições de executar um número maior de abrigos se houvesse mais apoio financeiro”, afirma Katia. Para levantar recursos, a ONG realiza campanhas e eventos beneficentes ao longo do ano.

Antes e Depois – Projeto Maria Ines Antich, designer Detinha Nascimento

Quarto infantil com layout funcional, mas carente de integração visual e de toques afetivos (Foto: Divulgação)

A designer Detinha Nascimento incorporou elementos gráficos inspirados na paisagem, organizou o mobiliário e trouxe leveza com cores suaves e detalhes personalizados (Foto: Divulgação)

As instituições beneficiadas são indicadas pelo site e selecionadas com base na localização, documentação, necessidades e urgência da reforma. Após a seleção, uma visita técnica valida as informações e define quais serão atendidas. Os profissionais voluntários — arquitetos, designers de interiores e paisagistas — se cadastram no site e, a cada projeto, cerca de dez deles participam, escolhendo os ambientes que irão assinar.

Desde 2018, o Décor Social já realizou 27 projetos, abrangendo mais de 17% dos abrigos da capital paulista. Mais de 2.200 crianças e adolescentes foram beneficiados diretamente, além de 9 mil de forma indireta. Foram reformados mais de 12 mil metros quadrados e 240 ambientes decorados, com a participação de mais de 850 voluntários e aproximadamente 800 empresas parceiras.

A avaliação de impacto inclui pesquisas antes e três meses após as inaugurações, revelando dados como a eliminação da sensação de medo (relatada por até 60% antes da reforma), redução de 51% na dificuldade para dormir, aumento de 87% no senso de pertencimento e aprovação unânime de que o lar reformado se tornou um lugar melhor para viver. Entre as histórias marcantes, está a de Ingrid, jovem que viveu no primeiro abrigo reformado pela ONG. “Ela nos contou que antes, não sabia como deveria ser uma casa. O projeto deu uma nova perspectiva de vida e fez nascer o sonho de ter a casa própria”, conta Lucy. Hoje, ela cursa Direito, está empregada e já recebeu as chaves do seu apartamento.

A sustentabilidade também está presente na execução das obras, com redução do consumo de energia e água, uso de tintas à base de água e descarte adequado. Móveis existentes são restaurados ou ressignificados, e doações de empresas do setor são aproveitadas. A acessibilidade é uma prioridade, com adequações para atender às normas em quartos, banheiros e rampas de acesso.

Entre os principais parceiros estão Coral (Akzo Nobel), Schneider Electric, Leroy Merlin, Saint Gobain, Steck, Caran, By Kamy, Kinder, Muskinha, Anjos Colchões, Goodstorage e Gabrielpro. Apesar dos avanços, o maior desafio permanece: arrecadar fundos para ampliar o número de abrigos atendidos.

A meta é aumentar o número de reformas a cada ano, incluindo repúblicas, que são residências destinadas aos jovens que deixam os abrigos aos 18 anos e podem permanecer até os 21. Já presente em Campinas, onde realizou dois abrigos com apoio de um escritório local, o Décor Social recebe convites de outros estados e sonha com uma expansão nacional.

Para Katia e Lucy, o maior legado é fazer com que essas crianças e adolescentes deixem de ser invisíveis. “E nada melhor do que fazer o bem com o que a gente faz de melhor”, resume Lucy.