Comportamento

Quando o cérebro pede mais: a era da busca infinita por dopamina

Por
Redação

9/18/2025

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Notificações constantes e rolagem infinita nas redes sociais estimulam picos de dopamina que podem levar à exaustão mental (Foto: Envato)

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De redes sociais a ultraprocessados, estímulos rápidos reprogramam o cérebro e levantam debates sobre saúde mental, consumo e comportamento

Vivemos em um tempo em que a escassez não está na comida, mas no silêncio, na atenção e no prazer genuíno. Se antes a dopamina — neurotransmissor associado à motivação e à recompensa — era ativada por conquistas concretas, hoje ela é constantemente estimulada por notificações no celular, curtidas em redes sociais, compras online por impulso, pornografia acessível em um clique e até pelo açúcar presente em alimentos ultraprocessados.

Esse excesso cria o que especialistas têm chamado de uma “nova fome”: não no estômago, mas no cérebro. Cada alerta sonoro, cada episódio de série em sequência ou cada gole de refrigerante dispara picos de dopamina. Mas, quanto mais frequentes esses disparos, menor o efeito da recompensa. O cérebro entra em um estado de tolerância, exigindo estímulos cada vez maiores para gerar a mesma sensação de prazer.

A lógica se aproxima das dependências químicas, mas aplicada ao dia a dia digital e alimentar. O resultado é conhecido: fadiga mental, queda de motivação, ansiedade, dificuldade de concentração e até sintomas depressivos. “Alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar e aditivos químicos, funcionam como atalhos neurológicos. Eles ativam o sistema de recompensa de forma tão intensa quanto substâncias psicoativas”, explica o médico nutrólogo Ronan Araujo. “Por isso, não é coincidência que, após um dia estressante, muitas pessoas recorram a doces, fast-food ou bebidas alcoólicas como válvula de escape”, diz.

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O consumo frequente de ultra processados ricos em açúcar e gordura ativa intensamente o sistema de recompensa do cérebro (Foto: Envato)

A tecnologia, por sua vez, potencializa esse ciclo. Plataformas digitais são projetadas para prender a atenção com recompensas imediatas: rolagem infinita, vídeos curtos, jogos online e compras instantâneas dificultam que o cérebro valorize experiências mais lentas, como uma conversa significativa, uma leitura ou simplesmente o descanso.

Quebrar esse ciclo não significa abolir o prazer, mas reeducar o cérebro para lidar com estímulos. Entre as estratégias apontadas por especialistas estão o chamado “jejum de dopamina”, períodos em que se reduzem voluntariamente os estímulos fáceis, como redes sociais e doces; a busca por prazeres de longo prazo, como exercícios, hobbies criativos e convívio social; a adoção de uma alimentação reguladora, baseada em comida fresca e nutritiva; e a valorização do sono profundo, momento em que os receptores cerebrais de dopamina se recalibram.

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Práticas como meditação e hobbies criativos ajudam a reeducar o cérebro para valorizar prazeres duradouros (Foto: Envato)

Mais do que uma questão biológica, essa “fome” também é cultural. Em uma sociedade que cobra produtividade, beleza e felicidade constantes, não faltam gatilhos para buscar recompensas rápidas. O verdadeiro desafio talvez esteja em recuperar a capacidade de sentir prazer nas experiências simples, lentas e humanas, aquelas que não cabem em uma notificação.