Nos últimos anos, a relação entre alimentação, peso e saúde tem sido amplamente discutida, mas um fenômeno persiste: a dificuldade de muitas pessoas em compreender a conexão direta entre o consumo de carboidratos e seus efeitos no corpo. Apesar das evidências científicas, conceitos básicos como “carboidratos se transformam em açúcar no sangue” ou “frutas contêm frutose, um tipo de carboidrato” ainda parecem nebulosos para grande parte da população. Essa deficiência cognitiva em relação à alimentação, especialmente ao papel dos carboidratos, reflete não apenas uma lacuna educacional, mas também a influência de padrões culturais e da indústria alimentícia.
Neste artigo, exploramos por que essa desconexão ocorre, os impactos dos carboidratos no organismo, as doenças associadas ao seu consumo excessivo e como os padrões de peso e estética corporal mudaram desde os anos 1980.
A desconexão cognitiva: por que não entendemos os carboidratos?

Frutas, pães, massas e cereais: fontes variadas de carboidratos que exigem moderação e consciência no consumo (Foto: ShutterStock)
A dificuldade em compreender que carboidratos, sejam de frutas, massas ou farinhas, se convertem em açúcar no sangue está enraizada em fatores culturais, educacionais e até psicológicos. Primeiramente, a alimentação é frequentemente vista como uma questão de prazer ou hábito, e não como um processo bioquímico. Quando consumimos um prato de macarrão, uma fatia de pão ou uma maçã, raramente pensamos em termos de glicose, frutose ou insulina. A associação imediata é com sabor, saciedade ou, no caso das frutas, com a ideia de “saudável”.
Além disso, a indústria alimentícia contribui para essa confusão. Propagandas de alimentos ultraprocessados, rotulados como “saudáveis” ou “enriquecidos”, muitas vezes mascaram o alto teor de carboidratos simples, como farinhas refinadas e açúcares adicionados. Frutas, embora naturais, são frequentemente promovidas como “livres de culpa”, ignorando que a frutose, um carboidrato presente nelas, também eleva os níveis de glicose no sangue, especialmente quando consumida em excesso. Essa narrativa simplista dificulta a compreensão de que todos os carboidratos, independentemente da fonte, são metabolizados de forma semelhante no corpo.
Por fim, há uma barreira cognitiva relacionada à complexidade da nutrição. Para muitas pessoas, entender que carboidratos são moléculas que se quebram em glicose, elevando os níveis de açúcar no sangue e desencadeando a liberação de insulina, parece algo distante da realidade cotidiana. Essa desconexão é agravada pela falta de educação nutricional acessível e pela disseminação de mitos, como a ideia de que “só açúcar engorda” ou que “frutas/sucos de frutas podem ser consumidos à vontade”.
O papel dos carboidratos no corpo

O excesso de carboidratos na dieta está diretamente relacionado a distúrbios como diabetes tipo 2 (Foto: Pexels)
Quando ingerimos carboidratos, sejam eles simples (como açúcar de mesa ou frutose das frutas) ou complexos (como os encontrados em massas, pães e cereais), o corpo os converte em glicose durante a digestão. Essa glicose entra na corrente sanguínea, elevando os níveis de açúcar no sangue. Para regular essa elevação, o pâncreas libera insulina, um hormônio que permite que a glicose seja absorvida pelas células para gerar energia ou ser armazenada como gordura, caso haja excesso.
O problema surge quando o consumo de carboidratos é cronicamente alto. Picos frequentes de glicose e insulina podem levar à resistência à insulina, uma condição em que as células se tornam menos responsivas ao hormônio, forçando o pâncreas a produzir ainda mais insulina. Esse ciclo vicioso está associado a diversas doenças, como:
- Diabetes tipo 2: caracterizada por níveis elevados de glicose no sangue e complicações como neuropatia, problemas renais e doenças cardiovasculares.
- Obesidade: o excesso de glicose não utilizado como energia é armazenado como gordura, principalmente na região abdominal.
- Doenças cardiovasculares: o consumo elevado de carboidratos refinados está ligado ao aumento de triglicerídeos no sangue.
- Síndrome metabólica: um conjunto de condições frequentemente associadas ao consumo excessivo de carboidratos.
Além disso, dietas ricas em carboidratos refinados podem causar inflamação crônica de baixo grau, relacionada a doenças modernas, incluindo câncer e distúrbios neurodegenerativos.
Peso e padrão corporal: anos 80 versus atualidade

Na década de 1980, hábitos alimentares e padrões corporais favoreciam maior equilíbrio entre consumo e gasto energético (Foto: ShutterStock)
Nos anos 1980, o padrão estético predominante valorizava corpos magros e atléticos, influenciados por ícones como Jane Fonda. A alimentação, embora já influenciada pela indústria de processados, ainda contava com menor consumo de ultraprocessados. A prevalência de obesidade era significativamente menor: cerca de 10% a 15% da população mundial. Hoje, esse número ultrapassa 30% em muitos países desenvolvidos.
Atualmente, apesar da maior diversidade de corpos celebrada por movimentos como o body positivity, há também uma normalização de padrões que, muitas vezes, refletem excesso de peso. A combinação entre dietas ricas em carboidratos refinados e o sedentarismo aumentou significativamente a circunferência abdominal média.
Comparado aos anos 80, o consumo de carboidratos refinados disparou, impulsionado por fast food, bebidas açucaradas e lanches industrializados. O café da manhã típico evoluiu de ovos e pão integral para cereais açucarados, sucos e pães brancos — todos de rápida absorção, contribuindo para o aumento do peso e da obesidade.

Produtos ultraprocessados com aparência “inofensiva” são fontes concentradas de carboidratos simples (Foto: Getty Images)
Superando a desconexão
Para reverter essa deficiência cognitiva sobre carboidratos e seus efeitos, é essencial investir em educação nutricional acessível. Campanhas públicas e programas escolares podem ensinar conceitos básicos, como a transformação dos carboidratos em glicose e o impacto da insulina no corpo. É igualmente importante desmistificar alimentos tidos como “inofensivos”, como frutas em excesso ou massas refinadas, reforçando a importância da moderação.
No que diz respeito aos padrões corporais, a sociedade precisa equilibrar a aceitação do corpo com a promoção de hábitos saudáveis. A valorização da diversidade não deve significar a normalização de condições que prejudicam a saúde. Políticas públicas que limitem a publicidade de alimentos ultraprocessados e incentivem práticas de atividade física são essenciais para reverter esse cenário.
Cardápio diário: equilíbrio e energia sem picos de glicose
Café da manhã (com carboidratos)
Pão integral com manteiga e ovo mexido + tomate cereja. Bebida: café preto ou chá sem açúcar.
→ Fornece energia e saciedade com carboidratos complexos e gorduras boas.
Almoço (com carboidratos)
Macarrão integral com carne assada e molho de tomate caseiro + salada de rúcula e cenoura. Bebida: água com gás e limão.
→ Refeição equilibrada em fibras, proteínas magras e carboidratos de digestão lenta.
Jantar (zero carboidratos)
Carne assada com molho de ervas + abobrinha e brócolis salteados. Bebida: chá de camomila ou hortelã.
→ Foco em proteínas e vegetais com baixo índice glicêmico para evitar picos noturnos de glicose.