É no ambiente familiar que somos iniciados aos nossos melhores sentimentos: do sorriso banguela ao identificar os rostos e voz de nossos pais, às primeiras alegrias na brincadeira de balanço, no soprar de uma vela e ao cantar parabéns, na validação de ações, nas primeiras notas altas do boletim... Mas é também na família que experimentamos as primeiras frustrações e sofrimentos: desde aprender a dividir os brinquedos até, mais adiante, vivenciar a predileção de um pai por um dos filhos, uma forma velada e cruel de rejeição, ou presenciar as vergonhosas brigas entre os pais, com agressões verbais e físicas. Esse é o contexto em que se inicia, na criança, o conflito sobre a compreensão do que é o amor, afetando, inclusive na vida adulta, como as pessoas irão se relacionar.
Esses experimentos bons e ruins são os ingredientes e situações que nos acompanham desde tenra idade, tatuando nossos comportamentos para o resto da vida. De fato, somos resultado de heranças emocionais que carregamos e transferimos também aos nossos filhos. Porém, infelizmente, quando a pessoa vira adulta preponderantemente com as tatuagens negativas dessas experiências, sem perdoar legitimamente os seus ascendentes e sem tratar a ferida oculta, as relações conflituosas tendem a se repetir junto aos filhos, ciclicamente. Eles acabam por receber essa carga e vivenciar os mesmos conflitos, tornando o lar mais perverso e perigoso do que toda a insegurança e violência das ruas.
Por outro lado, vejam que, se a vida familiar fosse algo tranquilo, a Bíblia, o Livro Sagrado e Mestre, não traria tantos episódios com histórias familiares carregadas de sentimentos negativos. Caim matou seu irmão Abel por inveja. Absalão e Davi disputaram poder. Jacó teria sido, de fato, um ladrão da primogenitura? O próprio José foi vendido como escravo pelos irmãos. Diversos exemplos trazidos pela Bíblia revelam conflitos familiares, pactos e promessas quebrados, afetados por desconfiança, raiva, ira e inveja.
Nós, mortais, após milhares de anos, ainda não dominamos a emoção, muito menos parte delas e, em vez de estimular o amor entre os nossos pares, drenamos o amor no seio da família. Assim, mesmo após séculos e séculos, ainda precisamos de leis para atenuar as aberrações feitas em nome de um pseudoamor.
Nesse contexto, trazemos o assunto da alienação parental, muitas vezes praticada por gerações, mas que hoje implica responsabilização, tanto na esfera civil quanto na criminal.
O que é
Alienação parental, no melhor conceito, trata-se de uma forma de abuso emocional em que um dos pais, avós ou quem detenha autoridade sobre uma criança ou jovem, de forma reiterada e desconstrutiva, influência e manipula negativamente o filho, de forma a prejudicar o relacionamento dele com o outro genitor, afetando, obviamente, seu desenvolvimento psicológico ou afetivo. Na minha visão, em apenas duas palavras, eu chamaria de sabotagem familiar.

A alienação parental afasta filhos de um dos genitores, afetando não só o relacionamento, mas também a saúde emocional da criança e do adulto (Foto: Pexels)
Reflexos emocionais
Essa sabotagem familiar não traz efeitos apenas aos genitores. Ao contrário: tal como um câncer emocional, contamina toda a família, impactando severamente a criança ou o jovem, por ser um grande berço de transtornos como ansiedade e depressão. Isso gera dificuldade de aprendizado, reduz a autoestima e estimula problemas comportamentais. Tudo por medidas inconsequentes e egoístas, já que a fatura dessa sabotagem muitas vezes será paga pelos filhos.
De outra parte, os genitores também são afetados, pois amplificam um problema de relacionamento não cuidado, ampliando o sofrimento emocional, que se desaguará no comportamento dos filhos à medida que os vínculos afetivos são rompidos e a desestruturação familiar se acentua.
Infelizmente, é um fenômeno bastante comum, com consequências dramáticas que podem se estender por toda a vida emocional dos filhos, e também para os que praticam. Nessa seara, foi introduzida a lei que trata da alienação parental, buscando medidas para sua mitigação, inclusive com responsabilização civil e criminal.

Ansiedade, depressão e baixa autoestima são alguns dos efeitos que podem surgir em crianças vítimas de sabotagem afetiva no ambiente familiar (Foto: Canva)
Da legislação
Como o Direito deve acompanhar as relações sociais e, na prática, esse é um assunto em crescimento, o tema foi tratado, já há 15 anos, pela Lei nº 12.318/2010, que introduziu medidas de proteção para crianças e adolescentes, com o objetivo de coibir práticas que prejudicam o relacionamento com um dos progenitores. A lei estimula e reconhece a importância de uma convivência familiar saudável, fundamental para o desenvolvimento emocional de crianças e jovens.
Caracterização
De maneira resumida, a alienação parental pode ser praticada por meio de atos que, embora possam soar comuns, são verdadeiros venenos no bojo familiar:
- Desqualificar ou desvalorizar o outro genitor e sua família perante a criança;
- Dificultar ou impedir o contato da criança com o outro genitor e seus familiares;
- Manipular emocionalmente o filho para que ele se sinta culpado por querer estar com o outro progenitor;
- Omitir informações relevantes sobre a criança ao genitor e seus familiares;
- Criar uma visão negativa do outro genitor e de seus familiares.
Consequências civis e criminais
A Lei nº 12.318/2010 estabelece mecanismos robustos de proteção às vítimas de alienação parental, cabendo ao Poder Judiciário determinar medidas para restabelecer a convivência familiar. As consequências podem ser civis e criminais.
O artigo 6º prevê que, ao identificar a prática de alienação parental, o juiz pode:
- Advertir o alienador;
- Impor acompanhamento psicológico;
- Alterar a guarda da criança;
- Suspender a autoridade parental.
Ou seja, no âmbito civil, o genitor que pratica essa conduta pode ser responsabilizado judicialmente, inclusive com a imposição de danos morais à criança e ao outro genitor.
No campo criminal, a alienação parental pode configurar uma forma de abuso emocional e, em casos extremos, se enquadrar como maus-tratos, conforme o artigo 136 do Código Penal Brasileiro. Ainda que a alienação parental em si não seja tipificada como crime autônomo, os comportamentos associados podem ser penalizados conforme o ordenamento jurídico vigente.
Jurisprudência

A Lei nº 12.318/2010 autoriza medidas como alteração de guarda e acompanhamento psicológico para combater a alienação parental (Foto: Canva)
A jurisprudência brasileira tem se posicionado firmemente contra a alienação parental. Os tribunais reconhecem a gravidade da prática e a necessidade de intervenção judicial.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) destaca o interesse da criança como prioridade. Em caso emblemático (REsp 1.614.317), o STJ decidiu que “a prática de alienação parental, se comprovada, pode levar à alteração da guarda, visando sempre o melhor interesse da criança” — ressaltando a importância de preservar os vínculos afetivos com ambos os progenitores.
Carregamos em nossa mente e espírito a carga emocional de como fomos criados. Ao decidirmos ter filhos, precisamos buscar a sabedoria do melhor que recebemos e priorizar a criança ou o jovem, independentemente de os pais seguirem ou não juntos. As brigas e mágoas entre pais não podem se estender à criação dos filhos. Usá-los como ferramenta de vingança pessoal é cruel — e vedado pelo ordenamento jurídico, que criou mecanismos de combate.
A alienação parental é uma questão séria, que demanda atenção tanto do sistema judiciário quanto da sociedade. A legislação brasileira, por meio da Lei nº 12.318/2010, oferece uma estrutura legal para coibir essa prática e proteger as crianças afetadas. É essencial que as famílias estejam atentas aos limites emocionais de seus conflitos e às reais consequências de seus atos, priorizando sempre o bem-estar dos filhos. Infelizmente, muitas vezes apenas a intervenção do Judiciário, com a consequente aplicação rigorosa das leis, é capaz de restabelecer o equilíbrio emocional no ambiente familiar.