Em tempos de relacionamentos não profundos, o grande filósofo Zygmunt Bauman, em suas obras sobre a Modernidade Líquida, descreve as relações sociais contemporâneas como fluidas, efêmeras e instáveis. Ele compara essas relações à fluidez de um líquido: carecem de solidez e compromisso, tanto nos vínculos amorosos quanto nas amizades, e se caracterizam por uma busca constante por experiências imediatas e individualistas, em detrimento de laços duradouros.
Como o Direito deve sempre acompanhar as transformações da vida cotidiana para oferecer amparo social, é possível — especialmente em tempos tão instáveis — buscar formas de prevenção de eventuais danos nas relações afetivas, mesmo quando ainda não há um terreno sólido. Para quem precisa de mais tempo antes de definir os próximos passos, existem alternativas jurídicas contemporâneas.
É importante esclarecer: não se trata de propor relações baseadas na desconfiança ou vazias de sentido. Pelo contrário, trata-se de cuidar da paz de espírito, sabendo exatamente onde se quer chegar. Este texto não se destina a quem romantiza a irresponsabilidade afetiva, mas sim a mulheres e homens adultos que compreendem que um relacionamento, assim como qualquer nova atividade, merece uma análise mental, social — e por que não — jurídica.
O Direito não deve ser utilizado apenas de maneira reativa, diante de um conflito ou risco iminente. As grandes corporações e pessoas mais instruídas já compreendem o valor do Direito preventivo, que antecipa riscos e minimiza impactos. Essa abordagem é menos custosa e evita desgastes que vão além do material — são também mentais e emocionais.
Diante disso, para relacionamentos ainda sem definição clara, é importante organizar expectativas e papéis. Isso evita frustrações e impede que uma relação sem compromisso formal seja, precipitadamente, considerada união estável para efeitos jurídicos e patrimoniais — algo que a jurisprudência brasileira tem reconhecido com frequência nos últimos anos.
Você sabe o que é um Contrato de Namoro?

O contrato de namoro não é sinal de desconfiança, mas sim de maturidade e alinhamento de expectativas (Foto: Envato)
Muita gente nunca ouviu falar, mas esse tipo de contrato tem ganhado espaço no Brasil, especialmente neste contexto de relacionamentos mais livres e menos tradicionais. Em tempos em que nem todo namoro visa ao casamento ou à construção de uma família, o contrato de namoro surge como ferramenta preventiva. Afinal, vivemos uma engenharia social que, como observam estudiosos da sociedade contemporânea, tem enfraquecido estruturas familiares e incentivado vínculos mais efêmeros.
O contrato de namoro é um documento que declara formalmente que o casal está apenas namorando, sem intenção de constituir família ou viver em união estável naquele momento.
Mas por que isso é importante?
Porque no Brasil, ainda que o casal não oficialize a união, a convivência pública, contínua e com aparência de família pode ser interpretada pela Justiça como união estável. E essa interpretação traz implicações legais significativas: divisão de bens, direito à herança, pensão em caso de separação, entre outros. Em outras palavras: você pode achar que está “só namorando”, mas o Direito pode entender algo bem diferente.
Pontos relevantes

Diálogo sincero e consciência sobre o momento da relação são essenciais para definir acordos justos (Foto: Envato)
O contrato de namoro tem justamente a função de evitar esse tipo de confusão. Nele, o casal afirma que está junto, sim, mas sem intenção de constituir uma família naquele momento, mantendo cada um sua vida financeira e patrimonial de forma independente.
Esse contrato deve ser redigido por escrito, assinado por ambas as partes e, preferencialmente, registrado em cartório com testemunhas. Quanto mais formalizado, melhor. É possível incluir cláusulas que descrevam, por exemplo:
- As receitas e o patrimônio de cada um;
- A inexistência de coabitação (ou que a coabitação não tem fins familiares);
- A ausência de planejamento para filhos, casamento ou dependência mútua.
Contudo, um alerta: o contrato só tem validade se refletir a realidade da relação. Se, na prática, o casal vive junto, tem filhos, divide contas e se apresenta socialmente como família, mesmo com o contrato assinado, a Justiça pode sim reconhecer a união estável.