Comportamento

Rezei para o meu pai morrer

Por
Ivone Sousa

9/8/2025

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Cuidar também é sofrer e, muitas vezes, adoecer em silêncio (Foto: Adobe Stock)

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Uma dor silenciosa que também adoece quem cuida

No velório da Preta Gil, um personagem chamou atenção: Gominho. Provavelmente o amigo mais verdadeiro que ela teve. Houve julgamentos sobre o sorriso dele, e sobre a frase dita por ele diante das câmeras:
“Então, pra mim foi um alívio mesmo! Todo mundo que já conviveu com um paciente terminal entendeu isso. Você vive um luto diário.”

Sim. Um alívio.

Meu pai lutou contra o Parkinson por longos anos. Desde os primeiros sintomas, o que mais o afetou foi a incapacidade de fazer as coisas por conta própria. Proibi-lo de dirigir foi como jogar a última pá de terra sobre uma vida que ele já não reconhecia mais. E ali começou a depressão.

Até que veio uma crise severa, uma internação na UTI.

Viajei para vê-lo, cheia de esperança, mas sem noção da gravidade. A esperança virou gelo quando entrei com o grupo de visitantes da UTI. Tínhamos 10 minutos. Os 10 minutos mais longos da minha vida.

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Amor é presença, mesmo quando as palavras já não bastam (Foto: Envato)

Meu pai estava vivo, mas não estava lá. Um olhar vago, morto. Orbitava em todas as direções sem se fixar em lugar algum. Traqueostomizado, magro, atrofiado, irreconhecível. O homem que me criou já não habitava aquele corpo.

Aquela noite, orei. Pedi a Deus que o levasse. Pedi com força. Pedi com dor. Pedi até com vergonha, mas pedi. E até hoje não sei se fiz certo, só sei que não suportava mais vê-lo sofrer.

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Soltar também pode ser um gesto de amor profundo (Foto: Envato)

Muito tempo depois, conversando com meu irmão, ele confessou: "Eu também pedi." E foi só depois disso que consegui admitir que rezei para que meu pai morresse.

Esse é o nome do que chamam de luto de uma pessoa viva. Uma dor que consome aos poucos, que vai tirando camadas da pessoa que você ama até restar apenas um corpo. E, com ele, o sentimento de impotência. Sofre quem está doente. Sofre quem acompanha. E quem acompanha também adoece.

Demorou três meses para que ele partisse. E hoje não acho mais que seja egoísmo dizer:
Obrigada, Deus, pelo excelente pai que me deu.
E obrigada por cessar seu sofrimento.