Na última década, a pauta da aceitação corporal ganhou espaço nos debates públicos e acadêmicos, impulsionada por movimentos sociais que reivindicam respeito e visibilidade para corpos fora do padrão estético tradicional.
Nesse contexto, o termo “gordofobia” passou a ser utilizado para apontar atitudes preconceituosas contra pessoas gordas, muitas vezes associando qualquer crítica ao excesso de peso a uma forma de opressão ou discriminação. Essa perspectiva, no entanto, merece uma análise mais responsável, sobretudo quando se trata de saúde pública.
A gordofobia não se resume a piadas ou insultos. Ela também se manifesta na forma como o sistema de saúde trata (ou deixa de tratar) corpos gordos, frequentemente ignorando que essas pessoas merecem cuidado, escuta e acolhimento. Essa negligência gera consequências psicológicas sérias, como ansiedade, depressão e transtornos alimentares.

O acolhimento no sistema de saúde é fundamental para combater preconceitos e garantir cuidado integral (Foto: Envato)
É inegociável o respeito à dignidade humana: ninguém deve ser tratado com hostilidade, humilhação ou violência por causa de sua aparência física. Mas é igualmente imperativo reconhecer a obesidade como uma condição médica, com impactos comprovados sobre a saúde física e mental.
Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica e multifatorial, a obesidade está associada a um risco maior de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, hipertensão, problemas osteoarticulares, distúrbios hormonais e comprometimento da saúde emocional.
Aceitar o próprio corpo não significa ignorar os sinais que ele dá. Saúde não é sinônimo de magreza, mas também não deve ser negligenciada em nome de um discurso de aceitação mal interpretado. Tratar a obesidade apenas como uma questão de “autoaceitação” ou “diversidade corporal” pode ser enganoso e perigoso. É fundamental diferenciar autoaceitação da glamurização da gordura.
Naturalizar o sobrepeso severo ou romantizar corpos doentes como forma de resistência estética é uma distorção dos princípios do que significa saúde. O ideal é promover uma visão que envolva hábitos sustentáveis, bem-estar físico, mental e emocional, e que respeite a diversidade corporal sem romantizar condições que possam representar riscos.
Não se trata de uma questão de “beleza” ou “feiura”, mas de risco e prevenção, causa e consequência.
O termo “gordofobia”, nesse contexto, muitas vezes tem servido para silenciar discursos que alertam para os riscos da obesidade, rotulando como preconceituosa qualquer fala que associe o excesso de peso às doenças. Essa postura dificulta um diálogo honesto e necessário sobre os cuidados com o corpo e pode contribuir para a banalização de uma condição que, segundo a OMS, já atinge mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, sobrecarregando os sistemas de saúde pública.

Alimentação de qualidade é parte essencial na prevenção e no tratamento da obesidade (Foto: Canva)
Não se trata de culpabilizar indivíduos obesos, mas de recuperar o foco da saúde nos debates. O enfrentamento da obesidade passa pelo acesso à informação de qualidade, incentivo à atividade física, melhoria na alimentação, suporte psicológico e políticas públicas efetivas.
É possível – e necessário – defender o respeito ao indivíduo sem relativizar os riscos objetivos da obesidade.
Urge requalificar o debate, superando a polarização entre preconceito e permissividade. O foco precisa estar na saúde, entendida não como um padrão estético, mas como um estado de equilíbrio físico, mental e social a ser buscado com responsabilidade individual e compromisso coletivo.
Promover a saúde em todas as formas de corpo, com empatia e informação, é o caminho mais coerente para uma sociedade menos preconceituosa e mais saudável, física e emocionalmente.
A crítica ao excesso de peso não é preconceito. Não é ódio. É ciência. É cuidado.


